Face a face com o RAP
O RapBH foi ao Festival Transborda desse ano, um evento que reune bandas independentes de todas as Minas Gerais. A nossa BANDA DO MÊS, o Julgamento, nos concedeu uma entrevista ao final de seu show. Confira, abaixo, o que o pessoal tem a nosa falar.
O estilo musical nascido nas periferias, continua, após anos de seu surgimento, refletindo os marginalizados pela sociedade capitalista. Esse ritmo é intitulado com a abreviação RAP, que significa rhythm and poetry (ritmo e poesia). Em outras palavras é compreender que o som dos MCs é levado com pouca melodia e muito texto, entoado como um discurso.
Nas letras do RAP, as palavras são supervalorizadas, pois descrevem a realidade das periferias e difundem idéias. Elas, também, visam reforçar a capacidade de prosseguir em meio as restrições impostas pelo mundo excludente.
Roger Deff, integrante da banda Julgamento, do cenário mineiro, diz que vê o trabalho do grupo como algo transformador: “Em termos ideológicos, acreditamos na potência das palavras e no quanto o que fazemos pode de fato servir de base para o questionamento, é algo importante principalmente para o jovem de baixa renda, com pouco acesso à educação, etc. É meio pretensioso isso, mas vejo o RAP com este tipo de papel”.
Julgamento
“Me tornei rapper ainda garoto, a história começa lá em 1993, foi quando eu comecei a me interessar por rap. Comecei ouvindo Gabriel, Racionais, Pavilhão 9 entre outras coisas, mas nem sabia direito o que era hip-hop. Fui ouvir Thayde & DJ Hum somente em 1994, quando o Clodoaldo, rapper do Fator R e grande amigo meu, me apresentou o som.”, comenta o vocalista Roger Deff do Julgamento.
Jovem, Deff, não imaginava onde poderia chegar, embasado apenas de uma admiração pelo gênero musical. No final da década de 90 a banda inicia suas atividades, rompendo dificuldades para inserção no mercado fonográfico além do preconceito existente ao redor do estilo.
Apenas em 1995 a idéia de montar um grupo sai do papel. Surge então o Julgamento Rap, mas naquele época a banda não tinha recursos para produzir som próprio. Então iam para Praça Sete comprar bases gravadas de discos de vinil, como plano B. “O resto do trampo era realizado pelo DJ, que utilizava trechos de fala para complementar as frases e rimas dos MCs.”, comenta Deff.
Os grandes nomes do hip-hop belohorizontino na década de 90 eram grupos como Conceito Negro, que tinham letras super positivas, o Divisão de Apoio, banda do Dokttor Bhu que, diga-se de passagem, foi a primeira a utilizar instrumentos nas apresentações de RAP. O Retrato Radical e a Black Soul, esta última responsável pelo primeiro registro fonográfico da história do rap na cidade.
Nesse momento, o Julgamento se considerava um “patinho feio”, porque não era um dos grupos de ponta. Mas a partir de 1998 o grupo cria um projeto ambicioso: “Tinhamos a intenção de fazer um trabalho que refletisse nossas referências, mas que ao mesmo tempo não se parecesse com nada que existisse anteriormente. E foi este o ponto de partida.”, afirma o grupo.
Contudo, o grupo ainda enfrenta dificuldades financeiras, pois não é auto-suficiente, o que lhe impede de circular pelo país, já que são oito integrantes: Roger Deff, Ricardo HD e Voz Khumalo (vocais), Helder Araujo (guitarra), Luiz Prestes (baixo), Gusmão (bateria) e os DJ's Tobias e Giffoni (toca-discos).
Para o final de 2010 a banda tem um show no Nelson Bordelo, dentro da programação da Feira Música Brasil. E para 2011, o grupo negocia participação no Conexão Vivo e lançamento de um EP com quatro canções.
Como surgiu o ritmo
O RAP tem muita referência dos norte americanos, chega-se a confundir de onde, realmente, surgiu esse ritmo. Porque foi nos Estados Unidos que na década de 1970 que esta música ganhou popularidade.
Entretanto, esse estilo de música falada nasce entre os jamaicanos, por volta de 1960. O RAP surge nas festas dos guetos, onde a população periférica se reunia em galpões abandonados, criava trilhas sonoras e fazia discursos sobre temas de política, violência, sexo e problemas sociais.
O texto que embala as canções da banda Julgamento são escritas por Khumallo, Ricardo HD Roger Deff, membros do próprio grupo. Deff afirma que os temas abordados não perderam muito o enfoque dos entoados nas primeiras letras criadas lá na Jamaica: “Os temas variam muito, mas tudo gira em torno da valorização humana, independente de credo, raça cor, opção sexual ou classe social.”.
Rap no Brasil
Na década de 80, os brasileiros consideravam o ritmo como algo agressivo, ligado a violência das periferias. Contudo, em 1986 o DJ Theo Werneck, leva para São Paulo um musical para apresentação do RAP, no Teatro Mambembe.
No país, os precursores do estilo foram Thayde e DJ Hum. Mas, somente, nos anos 90 que o estilo vai ganhar as rádios e a indústria fonográfica e expande seu número de representantes e adeptos.
Racionais MCs, Pavilhão 9, Detentos do Rap, Câmbio Negro, Xis & Dentinho, Planet Hemp e Gabriel, O Pensador, são exemplos de cidadãos que investiram, enfrentaram preconceitos e permitiram o ritmo alcançar outros públicos.
“De fato é marginalizado, pra muita gente nem é música, o que não me incomoda. Fazemos o som pra quem quer ouvir, o resto é bobagem. Muita coisa tem mudado, há uma aceitação maior, por parte da imprensa, do público, mas ainda lidamos com preconceito.”, comenta Roger Deff sobre o obstáculo do preconceito.
Cenário de BH
O mercado mineiro, em especial Belo Horizonte, tem como exemplo trabalho bem sucedidos como a Black Soul, que gravou seu último disco em 1997, o Renegado que tem visibilidade no âmbito nacional e o Julgamento que, atualmente é a banda belorizontina mais ativa.
O gênero musical vem ganhando admiradores, o que permite o surgimento de novas bandas. Para Roger Deff existe espaço estimulante para novos trabalhos, pois há demanda em eventos musicais, tendo como suporte para promoção o Duelo de MCs, que é um espaço para apresentação de diversos grupos. Deff ainda afirma que o público é assíduo.
Os grupos já consagrados costumam se apresentar em festivais independentes e em eventos diversos como o Transborda que na edição de 2010 ocorre na Praça da Estação, Eletrônika realizado na Casa do Conde em 2004, e em casas de shows (A Obra, Matriz e Lapa).
A Prefeitura de Nova Lima em parceria com o Núcleo de Atendimento a Toxicômanos (Nat's) e o Grupo Arte das Ruas, promove a inserção social por meio da arte da dança. Ensinando rap, music dance, axé, forró, dança do ventre e hip hop, o projeto Vamos Dançar conscientiza jovens e crianças da necessidade de combater todas as formas de violência e o perigo do uso de drogas.